As blockchains são um sistema que une o que há de mais moderno na criptografia

Bancos e outras instituições financeiras são ideias antigas que seguem presentes no mundo tecnológico atual que vivemos. Claro, a internet acelerou diversos processos e já é muito comum que os correntistas consigam realizar a maior parte das operações financeiras com alguns toques na tela do celular, sem a necessidade de frequentar as agências. O dinheiro também caminha para uma progressiva virtualização, com a morte lenta das cédulas e moedas e a presença cada vez maior de cartões de crédito e débito. No entanto, o funcionamento do sistema financeiro não deu esse salto, ainda vinculado a sistemas de verificação e transferência de valores que não estão no mesmo patamar do espírito colaborativo e integrado da internet. As blockchains (cadeias de blocos) podem ser um sopro de ar fresco no sistema financeiro mundial e devem mudar a forma como usuários, instituições financeiras e governos lidam com o dinheiro.

  Transformando as finanças do mundo 

O que são blockchains? 

É preciso, antes de qualquer coisa, fazer uma distinção entre o princípio das blockchains e a atual forma que esse princípio vem sendo utilizado. Atualmente, as blockchains são usadas como um sistema que dá suporte e valida o Bitcoin, uma criptomoeda 100% virtual com uma reputação longe de ser ilibada (ainda que não seja ilegal) e com cotação extremamente instável. No entanto, o princípio pode ser expandido para ter uma influência real na economia tradicional. O Napster pode ser uma analogia interessante: Apesar de ser usado para o compartilhamento ilegal de músicas (ou seja, quem baixava não pagava nada para a gravadora e os artistas), o princípio de distribuição peer-to-peer acabou sendo uma influência em programas como Skype e Spotify, que revolucionaram seus respectivos segmentos, de forma regularizada e lícita. Da mesma forma, as blockchains, ainda que sejam atualmente muito usadas para lastrear transações secretas de Bitcoins (que podem ser ilegais, especialmente vindo de sites escondidos na deep web), podem ser a arquitetura de um sistema financeiro mainstream no futuro, garantindo maior transparência tanto para usuários quanto para organizações.

Em essência, a blockchain é uma atualização de uma das ferramentas mais antigas do pensamento financeiro: o livro-razão. A blockchain transporta essa ferramenta, utilizada para controle de transações financeiras de instituições basicamente da mesma forma desde o século XVI, para um ambiente compartilhado, público, seguro e transparente, que todos podem inspecionar, mas que nenhum usuário controla. Os participantes de um sistema de blockchains mantém as informações atualizadas coletivamente e modificações podem ser feitas apenas em casos extraordinários e seguindo regras muito rígidas. No caso do Bitcoin, a blockchain funciona como um gigantesco livro-razão que impede que os créditos virtuais sejam usados múltiplas vezes e mantém um registro constante das transações, permitindo que a moeda exista sem um Banco Central controlando o câmbio.

Como isso pode afetar a economia real? 

Ainda que as instituições venham modernizando seus livros-razão, saindo de um caderno literalmente feito de papel para sofisticados aplicativos digitais, a ideia ainda é a mesma: Cada órgão coordena seu próprio controle financeiro e sincroniza com outras instituições quando necessário, um processo lento e com brechas para desvios. Um livro-razão público e seguro remove a necessidade de checar todas as transações financeiras com alguma contrapartida, o que está chamando a atenção dos bancos, que podem poupar muito esforço e tempo nas milhões de transações que passam por seus sistemas diariamente. O Santander, por exemplo, estima que a tecnologia pode ajudar a economizar, até 2022, US$ 20 bilhões por ano. Diversos bancos privados estão embarcando em iniciativas de blockchains e até mesmo a NASDAQ, coração do sistema de ações americano, está querendo usar a tecnologia para o registro de transações entre empresas privadas.

As blockchains são também o resultado de décadas de aperfeiçoamento da criptografia digital, cada vez mais importante em um ambiente onde hackers podem invadir sistemas antes percebidos como seguros. Algoritmos complexos são usados para embaralhar pedaços das informações em um código, conhecido como hash. Com isso, qualquer tentativa de adulteração dos registros fica imediatamente evidente, pois os hashs novos não vão corresponder aos antigos. Com isso, mesmo usando o que há de mais avançado na criptografia, as blockchains permitem um ambiente de plena transparência, algo cada vez mais relevante diante da crise de confiança da população com instituições como governos, bancos e corporações das mais diversas naturezas.

E o que isso muda em sua vida? Pense em uma transação financeira entre você e alguém em outro país. Atualmente, é preciso que vários agentes intermediem essa transação, como bancos ou plataformas virtuais de pagamento. Em um mundo com economia baseada em blockchains, essas instituições financeiras não seriam necessárias, já que o próprio sistema valida as transações por meio dos algoritmos. Se todos tem confiança na funcionalidade do sistema (e, vale lembrar, até hoje a rede do bitcoin não foi quebrada ou hackeada), o sistema age como seu próprio regulador.


Aperfeiçoamento da tecnologia Uma das características do Bitcoin no que tange o uso das blockchains é que o sistema utiliza um livro-razão gigantesco e descentralizado, compartilhado entre todos os usuários. Por isso, permite um conceito conhecido como “mineração”, ou seja, usuários que ganham frações de bitcoins em troca do poder de processamento para manter a gigantesca cadeia de blocos em atividade. Em um ambiente de economia real, não haveria a necessidade disso, já que diferentes segmentos de instituições poderiam usar livros-razão compartilhados com um grupo menor de participantes, custeando também o processamento necessário para manter a operação funcionando.

O Bitcoin é um ambiente relativamente perigoso e sem regulamentação, amado por hacktivistas e liberais por ser parte de um capitalismo coletivo sem a influência de burocratas estatais ou corporativos. No entanto, parece que o grande legado dessa criptomoeda está não em seu velho-oeste cambial, mas sim no sistema de confiança que, paradoxalmente, por meio da criptografia, permite transações mais confiáveis e transparentes entre todas as partes. Esse, sim, parece ser o futuro do mundo financeiro.